POEMA DA VIDA

07/10/2015 10:56

Frederico Spencer

 

              I

Não te queria assim:

tatuada te trago no braço

do tempo prisioneiro:

o teu compasso me fere

o relógio marca meu tempo ligeiro.

Em tuas águas

minhas estradas me fazem a ferro

não te consigo assim

devagar entre os dedos

escorres e fundo pisas

meu coração apressado

vago paralisa.

 

       II

Vago

em tuas águas

rítmica e metrificada - alheia

me levas em teu desenho

à terras de lodo e sal sombreadas.

No meu caderno rascunho

teu dorso teu cetro

com meus pincéis

te traço com a dor de seus metros.

      III

E vago em tuas veias

no sal de tua saliva - beijo

tua carne salina

mesmo molhado trago

nas mãos teus veios

que guardastes a sete chaves

no meu coração à ferida

no prumo emprestado

não consigo seguir, minha vida

na noite desenhastes consumida.

           IV

De tua saliva

desenhei meus traços

numa tela pura e imprecisa

o rugor de tua língua

salina - tatuagens

com tuas garras

me prendes e me fascinas

com seu ar de fera

repousas no meu jardim

amarga vida.

          V

E no meu jardim

não descanso nem pasto

suas margaridas de plástico

dormem no centro do meu corpo

as marcas que desenhastes para mim

com minhas armas desembainhadas

parto sem metro nem fim - confusas

tuas águas correm dentro de mim.

          VI

E nesta vida

nem descanso nem parto

já se foi o meu jardim – tarde

hora durmo noutra permaneço

soturno entre dálias e espadas

de São Jorge com seu arco

traço em tua pele ínfimo espaço

busco um pedaço de mim

em teus pincéis resquícios

da tinta de tuas águas – sem cor

à nanquim.

   VII

Mesmo à nanquim

e com ínfimo espaço

dentro da noite cruzo

teus horizontes - roubo

teus aços e teço fronteiras

muito além de tuas margens

finco o que sonhei

para minha vida inteira

ver você passar líquida e morna

demarcando minhas fronteiras

e com tua seiva alimentar

minhas fruteiras.

          VIII

Com minhas frutas parto

de tua saliva cheias

sangrando com o meu barco

por entre tuas veias

desta vez capitão com meus arcos

com o grafite e com as telas

que teci em tuas luas cheias

enquanto dormias descobri

teus segredos guardados

e que não entregavas para mim.

Com as frutas parto

mesmo sem teu cheiro

e o líquido que escorre em mim

deixo para trás o descanso

de tuas margens na pele tatuada

em mim só o desejo

de navegar o meu próprio fim.

    IX

E o meu fim

em tua pele deixará minhas marcas

mesmo sabendo de tuas alquimias:

não ter o medo de ter navegado

em tuas águas ser consumido

depois de terríveis batalhas

encontrar o útero da mãe como medalha:

um porto conhecido ou outros

ainda não navegados

riscar em tua pele:

com o grafite invento

minha navalha.

               X    

E com o cinzel e meus cadernos

coloridos por esse tempo

com o grafite na mão e tuas rotas

desenharei assim os mapas:

a solidão que é navegar

em ti insone o tempo passa

como ilhas, no silêncio

rasgo minha fantasia de capitão

recolho minha vela quebrada

escuto como música

para onde o vento sopra.

         XI

Para onde o vento me levar

levarei comigo teu sal, teu grito

em tua areia, meus passos remidos.

Onde beberei tua água

será de gozo teus gemidos

minha nau nas tuas entranhas

seguirá seu destino

com seu lápis nas mãos

não obedecerá tua lógica, teu trino

escriturando noutro caderno

seu destino.

         XII

Refém de tuas horas

e de tuas rotas que me levam

a lugar nenhum seguro

em tua crina adormeço

no teu embalo entrego

minha roupa de capitão

minha espada de ferro

minha nau, minha cápsula lunar:

Aldebarã arde no céu - um sinal:

a guerra que não venci

teu tempo, teu metro

dorme no meu caderno

o poema que não escrevi – juro

não te queria assim.