O INVENTÁRIO

13/10/2015 13:11

FREDERICO SPENCER

 

Do escritório até a praça central, onde os amigos já entornavam a cerveja do dia, era um pulo. Parecia ser mais longe, devido a ansiedade em mostrar seu novo trabalho, feito às pressas, sempre vigiado pelos olhos severos do gerente. Ali em sua mão - mais um poema.

Enfim descia a noite. Com seus passos largos e ofegante, corria em direção à mesa daquele bar para jogar no mundo sua nova cria. Outros poetas e escritores o esperavam, na mesa, um copo de cerveja já estava reservado para ele, dose única para aquelas ocasiões, era o batismo do seu mais novo rebento, regado por discursos veementes de aprovação. Ali estava sua vida – imaginava, realidade e sonho se misturavam naquele instante. Várias foram as visitas naquele bar, mesmo em doses homeopáticas cerveja e poemas, conseguiram chegar ao mundo.

Podia ser diferente, pensou - juntamente com a aposentadoria chegaria também a libertação de sua prole de letras, ficaria em casa e de lá produziria mais poemas e vários livros. Era tudo que precisava.

Adiantou seus sonhos, fez acordos, perdeu dinheiro, mas ganhou tempo, precioso para seus versos. Os amigos o aguardavam com sua enxurrada de poemas, celebrariam com mais discussões e mais cervejas para brindar aqueles dias.

Os dias, os meses, o ano passou e todos esperavam pelo poeta e nada.

Eis que numa noite apontou na esquina uma figura tímida. Era ele, nenhuma página na mão, mas com uma verdade macabra: - os afazeres da casa, as contas para pagar, a empregada, a escola dos meninos, chegou até a descobrir as infidelidades da esposa. Tudo isto caiu em sua mesa, sagrada a seus poemas.

Os filhos, a mulher e a poesia o abandonaram, pensava em voltar ao trabalho técnico dos números.