COM BERRO E SALIVA

13/09/2015 10:47

Frederico Spencer

 

Vino era um menino quieto, vivia pelos cantos, não tinha lugar nas peladas de futebol. Os amigos eram poucos - viviam levando porrada dos outros da localidade. Morava num barraco com a mãe e mais cinco irmãos, dormiam e sonhavam juntos com dias melhores.

Numa entrevista contou a virada que sua vida deu:

- Antes, quando éramos pequenos por aqui, vivíamos como ratos: esgoto, lama e muita sujeira abrindo nossas narinas - tentávamos sentir o cheiro das coisas boas lá de baixo, só luxo: carrões, mansões, asfalto e muita roupa bonita. Agora, que cresci, a lama virou pó, o esgoto virou fumaça na tragada do cigarro. A poeira das ruas - pedras que te fazem viajar. O dinheiro rolou aqui pra cima, temos polícia na mão, políticos e juízes no bolso, compramos tudo - somos um exército particular, vinte e quatro horas para atuar, ninguém dorme nem tem medo de bala. Inventamos até um jeito novo de falar: cultura da boa. O papo aqui é negócio: comércio e abertura de mercado. Tudo por aqui é muito sério; se mentir morre, vira presunto no outro dia, isso é que é organização, diferente lá de baixo. Fizemos nossa revolução, a pós-miséria tomou conta das ruas. Meio bicho meio gente nos fizemos da lama, nas armas. Tinha ouvido numa música: “com berro e saliva fizemos o nosso pé de meia”. Aliás, o filósofo Sócrates também falava nisso, não é mesmo? Vocês que financiam tudo. Valeu mesmo, cuidado aí irmão!